Noite

Costumava gostar do verão e de quase tudo aquilo que o acompanhava. Gostava dos dias com sabor de sorvete, dos pores do sol aquarelados, das caminhadas noturnas com Tobias e do cheiro salgado que invadia meus pulmões todas as noites. Por muito tempo meu sorriso foi incapaz de mascarar o quão solar eu era.

A quilômetros da praia, sentia, entre os meses de dezembro e março, a maresia perturbar-me os sentidos, surfando em minhas emoções como uma profissional. Presenteava-me com aromas sempre impregnados por algas, sal e um quê de areia úmida… Tudo aquilo que tocava meus lábios tinha o umami dos frutos do mar e da caipirinha barata. No toque da pele, a sensação do sal e da areia secando, esfoliando e mundando a textura e a cor do meu cabelo. Isso não era agradável, ainda que estranhamente reconfortante. Durante anos desejei que a estação fosse infinita. Em meu peito insistia o sonho de largar tudo e viver pro mar. A própria oferenda à Iemanjá.

Durante a estação, buscava usufruir ao máximo da imensidão do Atlântico diante de mim. Eram quase duas horas de viagem todos os finais de semana para contemplar o mar. Eu só pulava os dias chuvosos, pois tinha medo de enfrentar a estrada sozinha. Não me lembro da última vez que meu marido e eu fizemos esse trajeto juntos.

No último fim de semana de verão, meu sorriso quase não coube em mim quando meu marido decidiu me acompanhar. Para aproveitar ainda mais a viagem, decidimos viajar na sexta-feira, logo depois do trabalho. Minha vontade era de ir com a roupa do corpo e me alimentar do sol, tamanha era a ansiedade para dividir aquele momento com ele mais uma vez. Organizado e prático, ele carregou o carro com os itens mais importantes e partimos.

Enquanto eu buscava a música perfeita para nos despedirmos do verão, notei Henrique quieto. O sol que havia em mim aos poucos começou a se por e o medo do que viria em seguida pareceu aquela muralha que leva centenas de anos para ser construída. Em menos de um minuto, meu peito se embaçou e minha vista ficou acelerada. Na encosta da serra, eu procurava pelo Rique como eu costumava buscar o mar. Presa às ferragens, eu movia apenas os olhos, insistindo em encontrá-lo.