E de repente começamos um jogo frio, tão congelante quanto o olhar dela para mim numa noite quente e furiosa na qual discutíamos questões que nem nos interessavam de fato. Aos olhos e ouvidos alheios, aquela discussão parecia totalmente desconexa, sem sentido, inútil. Para nós, foi o modo que encontramos para expressar sentimentos encarcerados.
De um lado havia esperança, do outro dúvida e incertezas. Eu disse amor, ela respondeu morno. Eu disse nota, ela devolveu taciturno. Eu disse nome, ela me entregou melancólico. Tentei covarde, chorou debate. Sussurrei teto, ela respondeu tolhido. Experimentei doce e ela devolveu cego. Gritei gota, ela vociferou tapar. Chorei partida, calma ela soluçou danificado.
Olhei nos olhos dela, os olhos claros agora pareciam duas quedas d’águas. Concomitantemente, a cena era bela e triste.
Haviam inúmeras palavras que poderia usar para replicar sua última cartada, mas não importava o quanto tentássemos, ambos se encontravam derrotados. Eu porque não queria deixá-la partir. Ela porque não queria me fazer sofrer.
Alguns finais são assim: não importa de quem seja a última palavra, ela jamais será capaz de descrever ou sintetizar tudo aquilo que significou dado momento.
das memórias de Bernardo
sobre Valentina
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* É um jogo japonês de palavras com regras bem simples: um jogador começa com uma palavra; cada jogador deve continuar com outra que comece com a última letra (sílaba) da palavra anterior; só valem substantivos; não pode repetir palavras; o jogador que falar uma palavra que termine com n (ん) perde o jogo, pois não existem palavras que começam com essa letra em japonês. (Para esse texto valeu a regra da sílaba).