Princípio

Eu te encaro: o olhar que me devolve não me entrega nada; nem uma mísera palavra de suporte ou reprovação.

Eu te encaro: e, em mim, uma apreensão se forma tal qual tempestades em dias de céu claro; repentina e violentamente.

Eu te encaro: uma lágrima escorre, não tenho palavras para te entregar também.

Tudo permanece como estava: a caneta repousa maldosa ao meu lado.

Noturno

Eu o cobria
E ele ia lá e se descobria
Era um descobridor nato

Segredar

“Foi no coração de todas essas Nathalies, que eu resolvi me esconder”.
A delicadeza do amor

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Foi num jardim, numa primavera, num dia quente e ensolarado, ao ouvir os ventos balançarem as árvores que percebeu que ali era o seu lugar. As poucas nuvens brincavam de esconder o sol e ele preenchia todo o espaço possível com seu calor e alegria. Estava feliz. Gostava de dias imprevistos, não planejados, mágicos.

Foi num dia assim, meio invertido que no verso ela encontrou o avesso perfeito. Não precisavam de muito, nunca foi questão de quantidade: um olho no olho, sorrisos livres e abraços intermináveis eram o suficiente para abastecê-los.

Sempre os admirei por isso.

Se já era encantador vê-los, quem dirá sê-los.

Nota

Sobre o verão

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Às vezes o sol só quer saber de brincar e também de exigir, quer que seja de teatro e ele não pode ser nada menos do que o protagonista do espetáculo galáctico. As nuvens, criaturas delicadas e sensíveis, às vezes tempestuosas, não tem espaço nessa brincadeira, só depois de muito insistir é que conseguem um papel pequeno como coadjuvantes na peça do astro rei, o que não as satisfazem e por isso logo brigam, o tempo fecha e exaustas depois de algum tempo de encobrimento, fechar de cortinas e apagar das luzes, as nuvens debruçam-se no céu em lágrimas, feito crianças que acabam de perder seu brinquedo favorito.

Escrito em 20 de janeiro de 2015

Da série: notas da Ella

Tudo é Silêncio1

O amor nem sempre é uma via de mão dupla.
Às vezes ele é apenas uma longa estrada seguindo num sentido onde, a cada quilômetro, encontramos transeuntes, aventureiros, sonhadores.
Alguns nos seguem, outros nos acompanham até o próximo ponto, outros ainda estão à espera de uma condução ou companheiro de viagem e ficam à beira de nossa estrada.
Outras vezes o amor é um atalho. Possivelmente ainda mais bonito do que a autoestrada.
Pode ser ali que vamos encontrar alguém que queira desvendar o caminho conosco, compartilhar o carro e sem esquecer de querer dividir a gasolina.

Mas o que é que estou dizendo, quem estou querendo enganar? Eu mal sei interpretar um mapa, quem dirá dizer o que é o amor.

Ella
novembro de 2009

Onde consegui asas

Desafio2-mãe-Ela era mais do que um anjo mais do que mulher

Muitos buscavam o segredo escondido detrás daquele emblemático quadro feminino exposto no consultório do Dr. John, além, é claro, de seus conhecimentos sobre oftalmologia. Ele sempre fora tido como um homem brincalhão, dado a piadas e histórias cômicas, a figura pálida e gótica destoava bastante de seu jeito bem humorado e por que não engraçado de encarar a vida.

Muitos foram os pacientes que passaram por aquele consultório. Alguns intrigados, outros nem notavam a obra exposta às costas do médico, alguns sentiram certo medo, no entanto, ninguém nunca questionou John a respeito da imagem.

Num dia atípico de verão, frio e chuvoso, uma moça – paciente nova de vinte e poucos anos – chegou para a consulta com esperanças de ver seu problema solucionado. Ou pelo menos quem sabe encaminhado para algum desenlace. Ao sentar-se diante do doutor, a moça olhou diretamente em seus olhos e disse de forma doce: “doutor, tudo o que vejo diante de mim são borrões, falhas, coisas incompletas em tons de cina, tem jeito?”

Apesar dos anos de carreira, de início ele ficou um pouco incerto quanto às iniciativas que deveria tomar em seguida. Fez algumas avaliações e exames ali mesmo no consultório e não encontrou nada errado. Tudo apontava para uma visão perfeita. Intrigado fez mais algumas perguntas a respeito dos sintomas que ela dizia sentir.

– Não sei o que aconteceu, mas aos poucos fui perdendo a visão. No começo sumiram as cores e tudo foi substituído pelo cinza melancólico. Com o tempo os borrões somaram-se aos tons de cinza e agora eu vejo falhas e coisas incompletas. Estou tão triste – disse a moça de olhos bonitos baixando a cabeça num sinal de pesar.

– A tristeza veio antes ou depois dos sintomas? – questionou ele gentil.

– Antes. E com a visão desse jeito só vejo piora desse desalento – afirmou ela entre lágrimas.

Com compaixão, ele levantou e foi até ela, apoiou a mão em seu ombro e passou o tratamento:

– Talvez você ache estranho, mas aqui estão alguns dos pontos principais do cuidado que deve ter a partir de agora.

Na receita dele estava escrito: “tenha sonhos, encontre alguém com quem agir de forma boba, viva para ter histórias para contar, preserve um refúgio – interno ou externo, tenha um propósito para a vida, permita-se ir à loucura de vez em quando, fuja da estática e acima de tudo permita-se valorizar o lado bom das coisas, não é feio ser otimista, e isso não te impede de ter compaixão pelos menos favorecidos. Ser otimista não significa fechar os olhos”.

Com certa dificuldade, como quem lê uma cópia mal feita, produzida de forma arcaica, a moça leu a receita médica e de início, incrédula, negou tudo que estava escrito ali. Descrente ela deixou o consultório.

Alguns meses depois, na última consulta do dia, Dr. John já estava cansado, mas ainda tinha alguém para atender. Uma mulher de sorriso grande e olhos bonitos entrou em seu consultório e sem cerimônias foi logo dizendo ao doutor que o quadro em suas costas era maravilhoso.

Disse também que aquela figura pintada ali a lembrava muito. Era como se ela visse uma mulher que tornou-se livre e que agora sabia com todas as forças para onde olhar, que era possível ser rainha, anjo e mulher, tudo ao mesmo tempo, sem esquecer de ser doce e olhar com amor o próximo.

Dr. John apenas sorriu.